domingo, 25 de agosto de 2013

A chegada!

Era Verão de 2005, numa encosta bastante inclinada de uma montanha de Andorra, e o Zé Carlos, com uns sapatos de vela calçados, atirava-se às pernas da Filipa para evitar que ela continuasse a escorregar pela encosta abaixo. Encontrávamos-nos a acampar 500 metros de altitude abaixo, e a seguir ao almoço tínhamos decidido experimentar subir ao pico da mesma montanha. Estávamos de tal forma impreparados e inconscientes em relação ao desafio, que a Filipa nem se lembrou de mudar de sapatos. Mais acima, perante as dificuldades, o Zé trocou de sapatos com ela para a ajudar. Não conseguimos chegar ao topo. Aliás, por pouco não tivemos que passar a noite lá em cima, porque era quase de noite e tínhamos perdido o trilho de onde tínhamos partido. Por sorte, encontrámos outro trilho que nos levou, já pela noite dentro, à estrada que ia dar ao nosso parque de campismo.

Mais ou menos 8 anos depois, estava o Zé Carlos na varanda de casa dele em Faro a bater palmas e a assobiar! Éramos nós a chegar da nossa "grande" viagem em bicicleta, entre Casa Branca e Faro, com os nossos dois filhos pequenos. A finalização da viagem em casa do Zé tinha algo de simbólico. Foi juntamente com ele que, depois da subida atabalhoada àquela montanha, comecei a sonhar realizar grandes aventuras de exploração da natureza. Sonhos irrealizados para mim, mas entretanto realizados por ele... A mais recente tinha sido há 2 meses no Evereste. Quando me contou acerca desta, como de outras histórias, lá me queixava eu que ter filhos era espetacular mas que me impedia de fazer certas coisas, como fazer viagens mais aventurosas.

"Invejo-vos, quero fazer o mesmo!" Disse o Zé quando lhe contei ao telefone os nossos planos. Viajar de bicicleta em Portugal com crianças é muito pouco comum, o que lhe atribuía uma certa sensação de pioneirismo (e uma incerteza um pouco desconfortável), mas ter um homem de aventuras a dizer que nos invejava dava-lhe um sabor especial...



Poucos minutos antes de chegarmos a casa do Zé e da Tânia, pela primeira e única vez na nossa viagem de 315 quilómetros cruzámo-nos com outros cicloturistas! Acenámo-nos mutuamente, tão entusiasmados com a presença de outros cicloturistas como contidos no aceno. Era um casal um pouco mais jovem que nós. Pelo equipamento que traziam, deviam ser também principiantes. Poderíamos ter sido nós poucos anos antes, se a bicicleta tivesse vindo ao nosso encontro mais cedo. Imaginei que, ao cruzarem-se connosco ali, isso tivesse ajudado a tirar-lhes aquela ideia de que depois de se ter filhos acabam-se os outros prazeres, e se tivessem decidido nessa noite a ir em frente!

O facto de, em pleno início de Agosto, apenas nos termos cruzado com os primeiros ciclistas viajantes ao fim de 3 centenas de quilómetros, indica que os caminhos por onde andámos são pouco comuns entre cicloturistas. Uma escolha de percurso realizada por critérios pouco convencionais levou-nos efetivamente a locais que não são dos mais trilhados. Em diversos caminhos, paralelos à fronteira com Espanha, andávamos muitos quilómetros sem ver vivalma, numa sensação de fim do Mundo.

Naturalmente que, se ver cicloturistas por aqueles lados já deve ser algo digno de registo, tornávamos-nos definitivamente o centro das atenções quando os curiosos espreitavam para dentro do nosso Croozer e viam lá dentro o Manuel e o Vasco! Um conjunto de velhotas à nossa volta (acontecimento repetido): "Nunca tinha visto uma coisa dessas. Que amores que eles vão!" "Ah eu vi uma coisa dessas no outro dia na televisão, era um senhor que levava os filhos à escola" (Seria certamente o Gonçalo Peres! Pela quantidade de gente que nos falou da reportagem, ela fez chegar a bicicleta em família a casa das pessoas!) "Mas vão com isso assim daqui ao Algarve??!" Aqui notava-se uma certa dúvida sobre a nossa lucidez... "Vai-se bem, não fazemos demasiados quilómetros por dia, as dificuldades existem mas ultrapassam-se. Os miúdos gostam!" Elas, com a voz emocionada: "Vão com Deus. Muitas felicidades para vocês!!" E lá seguíamos, eu e a Filipa com o conforto no coração que isto dá, o Manuel aliviado das atenções excessivas, e o Vasco a tentar processar tudo isto.


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