quinta-feira, 8 de agosto de 2013

A Primeira Vez (by João)


Nota: A Filipa desafiou-me a vir ao blog dela colocar a minha perspetiva dos acontecimentos! Aqui ficaram as minhas impressões sobre o pré-viagem :) Entre mim e ela, hão-de vir mais sobre a viagem.



Quando despertei para o turismo em bicicleta parecia já ser tarde de mais. Tínhamos agora dois filhos, e viagens longas em bicicleta pareciam uma miragem, talvez possível de realizar quando eles tivessem 18 anos e fossem à sua vida. A viagem que tinha feito o Verão passado em dia e meio entre Tróia e Aljezur seria o mais longe que normalmente conseguiria ir, talvez umas poucas vezes por ano. A desilusão com o tempo perdido não era pequena... afinal, tinha subitamente descoberto que “viajar” tinha que ser feito em bicicleta. Andar de carro não era bem “viajar”, apenas deslocar-me de um lado para o outro. Já em bicicleta segue-se a velocidade suficiente para apreciar o caminho, observar pormenores, parar e falar com alguém, sentir o ar na pele e os cheiros, ouvir os ruídos da natureza, pensar... Tive a sorte de poder viajar em quantidade razoável, mas podia ter “viajado” tanto mais. “Se soubesse o que sei hoje...”, pensei.

Não foi preciso procurar muito para conseguir evitar vir a dizer esta frase pela segunda vez. Tinha ouvido falar de histórias de famílias que percorriam continentes inteiros com os filhos. Primeiro imaginei os pais como ideólogos destravados e irresponsáveis. Depois de pesquisar um pouco mais percebi que para bastante gente aparentemente responsável viajar com filhos pequenos era normal. A viagem do Gonçalo Pais com o filho entre Lisboa e Badajoz abriu-me os olhos. Mas o Guga (7 anos) já pedalava o suficiente para as distâncias (e para a respetiva carga), e os meus tinham 18 e 42 meses. Não há problema, desde que os consigamos levar connosco, o que para nós já não era novidade... todos os dias para a escola, e em pequenas viagens de lazer. Comparativamente a outras grandes viagens, uma viagem em férias em bicicleta com a família parecia ser possível sem ser uma enorme tormenta.

Ainda antes de ter bem assente o meu sonho, foi a Filipa a colocá-lo num patamar realista ao falar-me de irmos fazer uma viagem de uns dias! Tornou-se um sonho realista e a dois.

Iria ser primeiro um passeio curto, de 3 ou 4 dias. Mas os meses passaram e chegaram as férias de Verão de 2 semanas. Confrontámo-nos com a ideia de as fazer em bicicleta e mais uma vez a Filipa não teve dúvidas em avançar.

A preparação da viagem nas semanas anteriores teve para mim um sabor daqueles que só se tem quando é a primeira vez que se faz alguma coisa nova e excitante! É um sentimento de ansiedade pelo começo, mas também de alguma incerteza e de exploração. Questões primárias que se colocam pela primeira vez. Quantos quilómetros podemos fazer por dia. Que tipo de percurso fazer? Será que aguentamos tantas noites a dormir em sítios diferentes. Que quantidade de carga podemos levar e onde? É preciso calibrar tudo isto - ainda mais com crianças - e existe uma dose de incerteza elevada devido à grande falta de experiência. É uma espécie de salto para o desconhecido que causa uma ansiedade boa.

Depois de pensar em várias hipóteses decidimos partir do médio Alentejo rumo ao Algarve, passando por diversos pontos de interesse. O motivo da escolha inicial foi a possibilidade de passarmos em duas casas de amigos. Mais tarde percebi que não seria viável passar na dos primeiros (em Ciborro) por ser demasiado a Norte para a distância que poderíamos percorrer, e que os segundos eventualmente não estariam por lá (Ficalho) na altura em que íamos passar. Mas já me tinha vinculado emocionalmente àquele percurso e aos seus pontos de paragem, e já não queria trocá-lo por outro.

O caminho teria que ter pontos de interesse para os miúdos. Havia que lhes ir dando motivos especiais de prazer entre as viagens! Como ambos adoram água, apontei para rios e barragens. Também nos ia saber bem a nós entre as pedaladas e o calor do Alentejo! Íamos então passar pela Barragem do Alvito, pela do Alqueva, pelas praias da Mina de São Domingos, pelo rio Guadiana, e finalmente pelo Algarve. Pelo meio várias povoações interessantes - gelados e castelos eram particularmente apelativos para o Manuel! Alcáçovas, Viana do Alentejo, Portel, Moura, Vila Verde de Ficalho, Pomarão, Sanlúcar de Guadiana, Alcoutim... Chegados ao Algarve logo se veria, talvez ir até casa de um amigo em Faro.

À parte o percurso traçado, não planeámos demasiado quando e onde íamos passar e dormir. Tinha que ser sem pressões. Não sabíamos quantos quilómetros seria viável percorrer diariamente sem se tornar um sacrifício. Se chegássemos em 10 dias ao Algarve seriam cerca de 25 km por dia em média, mas alguns dias tencionávamos não pedalar. Era uma distância aparentemente curta, mas não sabíamos como ia ser com os miúdos e muito peso. Além disso, o Alentejo, apesar de relativamente plano, prometia calor, muito calor! A ideia era pedalar com a alvorada e ao final da tarde...


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3 comentários:

  1. Muito bom. Venha a história completa.
    Também passei por esse processo mental. Aperceber-me que nao tínhamos aproveitado quando nao tínhamos filhos, pensar que teria que esperar até que fossem bem maiores (passou-me depressa, pois comecaram a pedalar pela cidade bem cedo) e comecar por Tróia, etc. No ano passado foram 100km, com a Joana (10 anos) - o Afonso (5 anos) ficou com febre na 1a noite, no campismo e foi recolhido e ficou de fora. A Joana pedalou o tempo todo com a sua bagagem e deu para perceber que os maiores obstáculos estao na nossa cabeca.
    Parabens pelo desafio vencido e pelo blog.
    Obrigada por partilharem!

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    1. Olá César, obrigado e ainda bem que gostaste. Bom saber que também já ultrapassaste as barreiras de ser pai e te aventuraste :)
      Há-de vir a sequela, então.

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  2. Brutal... mas tou à espera do resto da história.

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